Voo no imaginário: Isabel Furini entrevista a poeta Nic Cardeal

 

              Fotos: arquivo pessoal da autora


Dedico esta entrevista à querida Francisca Maria Genovez (*), uma leitora muito especial! Nic Cardeal

 

        Nossa entrevistada é a poeta Nic Cardeal. Nic é catarinense radicada em Curitiba/PR, graduada em Direito, é autora de ‘Sede de céu – poemas’ (Penalux, 2019), e aguarda a publicação de seu próximo livro, no prelo. Publicou textos em 43 antologias e coletâneas. Faz parte do movimento Mulherio das Letras. Seus escritos estão compilados no Facebook: “Escrevo porque sou rascunho”. Possui textos publicados em diversas revistas e blogs eletrônicos. Também publica, como autora e colaboradora, na revista eletrônica ‘Revista Feminina de Arte Contemporânea Ser Mulher Arte’.

 

 “Penso que sou influenciada por tudo o que leio, não somente por poetas de minha preferência, como também por romancistas, contistas, prosadores. Claro que a influência sempre acaba sendo mais direta, ainda que inconscientemente, por aqueles que nos alcançam mais fundo com a sua palavra.”

 

1)    Segundo a sua percepção, esta época de pandemia é boa ou é ruim para a criação literária? Você se sente mais ou menos inspirado?

Não creio que a pandemia seja boa para qualquer situação, de modo algum! Como sabemos, toda pandemia surge a partir do momento em que uma epidemia se espalha por variados continentes, numa disseminação mundial. Conforme nos mostra a História, a pandemia é uma situação de saúde muito grave, que acarreta um número de mortes absurdo, de modo que sempre exige da ciência e das autoridades governamentais atitudes pontuais, para que seja possível o controle rígido no que se refere à contaminação da população. E essa situação, que se repete na História (gripe suína, gripe espanhola, peste negra etc.), na minha percepção, não pode, em nenhuma hipótese, ser benéfica a quem quer que seja. Não descarto, também, a responsabilidade da espécie humana no que se refere às diversas pandemias que já assolaram o mundo, em tantas épocas, pois sabe-se que a devastação do meio ambiente, utilização de agrotóxicos nas plantações, alimentos industrializados etc., todos provocados pelo homem, desequilibra todos os ecossistemas e provoca diversas doenças, inclusive no próprio ser humano. Portanto, nem cogito a possibilidade de considerar que essa pandemia seja boa para minha criação literária. Claro que tenho meus altos e baixos no que se refere à inspiração, porém, não penso que a pandemia possa estar me auxiliando no processo criativo. Pelo contrário, a pandemia só tem me deixado muito mais aflita, apreensiva, desorientada, o que me faz ficar muito menos inspirada. Além disso, não podemos deixar de lado a situação política, social e econômica do nosso país nesses tempos absurdos, que está um verdadeiro caos diante da falta de um plano de governo num mínimo decente e democrático, inclusive em relação à vacinação da população, de maneira que não é possível estar individualmente bem quando a maior parte do povo brasileiro está em situação de risco, com fome, sem emprego, sem proteção suficiente do Estado para enfrentar a atual realidade nacional.

 

 “A poesia sempre serviu para o mundo – em todos os tempos – porque, além de ser um instrumento de comunicação, vai além do valor social e econômico da vida humana, pois oferece ao indivíduo a possibilidade de ampliar sua visão de mundo e compreensão da realidade.”  

 

2)    Quando iniciou seu interesse pela Poesia?

Desde criança, na verdade. Tenho textos manuscritos guardados desde os meus 11 anos. Lembro que quando estudávamos no antigo ‘ginásio’ (1º grau, 1974/77), eu e minha irmã gêmea éramos conhecidas na escola como ‘as ratinhas da biblioteca’, pois vivíamos buscando e devolvendo livros, de tanto que líamos. Em seguida, já no nível médio (‘científico’ ou 2º grau, 1978/80) criamos, junto com colegas de turma, um jornal mimeografado de poesia, chamado ‘Cairela’, onde publicávamos textos literários, poesia, desenhos etc. Além dele, nesse período também participei, junto com minhas irmãs Márcia e Ana Cardeal, e com duas amigas, Vera Marchi e Inês Mafra, da criação de outro jornal também mimeografado, o ‘Flama’, com poemas e outros textos relacionados à arte, literatura, música, poesia. Além disso, colaboramos várias vezes com poemas no jornal ‘Cogumelo Atômico’, editado por três amigos, nos anos 70 (Almir S. Feller – o Zinho, Aloísio Buss – o Buss, e Celso Luís Teixeira – o Lui, ou ‘Luís Brusque’), que era uma publicação também mimeografada de início e que depois passou a ser impressa em offset, que divulgava literatura, poesia, desenhos e muita música, especialmente rock, e que circulou muito e ficou conhecida nacional e até internacionalmente, passando a fazer parte de um movimento ‘alternativo’, de  uma ‘imprensa nanica’, underground, além de outras denominações. Enfim, meu interesse pela poesia começou já na década de 70!

 

 “Atualmente conto com 43 participações em antologias e coletâneas, incluindo uma na Alemanha e algumas em Portugal e, nesses coletivos, sempre fui muito bem recebida.”


 

3)    Sente na sua obra a influência de algum ou alguns poetas?

Bem, de modo geral, penso que sou influenciada por tudo o que leio, não somente por poetas de minha preferência, como também por romancistas, contistas, prosadores. Claro que a influência sempre acaba sendo mais direta, ainda que inconscientemente, por aqueles que nos alcançam mais fundo com a sua palavra. Dessa maneira, penso que sou muito tocada por Cecília Meireles, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Manoel de Barros, Emily Dickinson, entre tantos outros, não menos importantes. Enfim, mesmo que não esteja implícito em meu texto que tal ou tal autor me influenciou em um momento específico de criação, penso que todos, todas, todes os que leio, seguem comigo nessa viagem literária.

 


4)    Analise seu estilo, sua voz literária. Como Nic Cardeal leitora enxerga a Nic poeta?

Confesso que nunca fui interessada em descobrir qual seria meu estilo de escrita (entendendo aqui ‘estilo’ no sentido literário, acadêmico mesmo), de modo que toda leitura que faço, qualquer que seja a autoria, colabora com a minha ‘personalidade literária’, não importando o estilo literário do autor. Nesse sentido, então, não sei dizer qual seria minha ‘voz literária’, já que não sou da área das Letras, minha graduação se deu em Direito.

Quanto ao segundo ponto, penso que a Nic leitora não se separa da Nic poeta e, por isso, não a vê como outra personagem. Ambas se entrelaçam de tal modo que não posso vê-las isoladamente – a Nic leitora vê-se a si mesma na Nic poeta, e vice-versa, de maneira que não há um olhar, mas um espelho: uma não enxerga a outra, ambas se espelham ininterruptamente.


 “A poesia também nos dá a chance de sonharmos acordados, e isso é um grande privilégio. Não apenas a poesia, como também toda a literatura de um modo geral – por exemplo, um romance, um conto, uma crônica – todas essas formas de narrativa permitem esse voo no imaginário.”


 

5)    Qual é a reação dos leitores? Eles curtem? Enviam sugestões?

Recebo comentários incríveis, mesmo antes da publicação do primeiro livro, e esse feedback é muito positivo para que a cada dia eu procure melhorar minha qualidade de escrita. Por isso, procuro sempre agradecer, na medida do possível, a cada leitor individualmente. Atualmente conto com 43 participações em antologias e coletâneas, incluindo uma na Alemanha e algumas em Portugal e, nesses coletivos, sempre fui muito bem recebida. Quando lancei meu livro ‘solo’ (Sede de céu, Penalux/2019), eu já estava publicando meus textos nas redes sociais, especialmente no Facebook, justamente porque sentia necessidade de ter esse feedback dos leitores, já que até então estava muito insegura em relação à minha produção literária. Penso que ter feito esse ‘plantio virtual’ foi muito interessante, pois os mais diversos comentários (positivos ou negativos, ambos importantes) foram a mola propulsora que faltava para que eu criasse coragem para a publicação desse primeiro livro.

Quando li essa pergunta, imediatamente lembrei de um retorno recebido recentemente (de 18/08 desse ano), em que uma leitora, Heloisa Helena Garcia (cito-a aqui porque me autorizou a fazê-lo), que adquiriu meu livro em julho/21, enviou-me a seguinte mensagem de áudio, aqui transcrita: “Oi, Nic, boa tarde. Eu estou passando aqui porque eu precisava muito te mandar essa mensagem já faz alguns dias, que eu tenho lido o seu livro junto com a minha mãe, para a minha mãe, ela tem 83 anos. Ela está começando um processo demencial, enfim, ela gosta muito de poesia, ela gosta muito, ela já escreveu, escreve muitas poesias. E têm sido momentos muito fortes, muito bonitos, do meu encontro com ela, lendo as suas poesias do ‘Sede de céu’, e eu não me canso de ler, de admirar e queria te dizer isso. Muito obrigada, viu?” Imagina a emoção! A mensagem tocou-me profundamente, pois saber que minha poesia está ajudando a levar momentos especiais à mãe de Heloisa, a querida senhora Francisca Maria Genovez (*), só comprova que a poesia, a literatura – sim! – é capaz de fazer diferença e colaborar para que as pessoas consigam ter uma melhor qualidade de vida, pois permite a partilha da subjetividade do autor com outros indivíduos! Como disse o escritor Caio Fernando Abreu (1948-1996), “escrever significa mexer com funduras” (citado por Cristiana Seixas, in: ‘Vivências em biblioterapia – práticas do cuidado através da literatura’, Niterói: edição da autora, 2014, p. 32). Então, se ao escrever, o autor alcança suas funduras e, assim, elas remexidas, conseguem provocar as mais variadas emoções no leitor, creio que o texto alcançou sua principal função no mundo da palavra!


 “Ela – a literatura (e a poesia) – tem essencial função para a vida humana, pois possibilita ao homem compartilhar a subjetividade do mundo – que não é tão somente um organismo físico, concreto, mas todo um complexo de sentidos, sensações, sentimentos e emoções – do qual fazemos parte, enquanto espécie capaz de traduzir tudo o que nos rodeia (por fora e por dentro) e comover o outro por meio da palavra.”

 

6)    Você gosta de interpretar poemas? Como se sente declamando?

Na verdade, não é que eu não goste, é que de fato não sei interpretar ou declamar poemas. Adoraria ter facilidade e desenvoltura para a palavra oral, no entanto, minha natureza não é nada extrovertida, de modo que deixo a tarefa para quem sabe e aprecia fazê-lo. Por isso, prefiro continuar escrevendo e, de preferência, ouvindo meus poemas na voz de quem gosta de declamar. Além disso, é adorável ouvir o próprio texto na voz de outra pessoa. Surge aí um novo sentido: a ‘leitura’ – seja por simples leitura,  interpretação, ou declamação – torna-se um novo ‘olhar’ sobre o texto!

 

“Sou a favor do porte de poesia. Carregá-la desde a semente, até que a palavra infle, insufle, percorra o caminho do ventre, saia do ninho, alce voo em direção ao céu do meu/teu/nosso coração. Ali aportada a poesia, que ela absorva a empatia, a boemia, a leveza ou a entropia, a expressão, a expansão, a exuberância da própria vida. E, quando pronta a atingir o alvo, aponte a poesia na direção da alma!”

 

 

7)    Alguns falam que a Poesia não tem utilidade prática, que não serve para o mundo de hoje. Qual é a sua opinião?

Penso que a poesia sempre serviu para o mundo – em todos os tempos – porque, além de ser um instrumento de comunicação, vai além do valor social e econômico da vida humana, pois oferece ao indivíduo a possibilidade de ampliar sua visão de mundo e compreensão da realidade – passando, então, a enxergá-los em dimensões outras além da concretude da existência, de modo mais estendido e, inclusive, mais sutil, ultrapassando as fronteiras concretas da existência. A poesia também nos dá a chance de sonharmos acordados, e isso é um grande privilégio. Não apenas a poesia, como também toda a literatura de um modo geral – por exemplo, um romance, um conto, uma crônica – todas essas formas de narrativa permitem esse voo no imaginário. Como outrora escreveu o poeta e artista plástico inglês William Blake (1757-1827), “a imaginação não é um estado, é a própria existência humana”. Sobre a importância da poesia no psiquismo humano, também discorreu o filósofo e poeta francês Gaston Bachelard (1884-1962), em sua obra ‘O ar e os sonhos: ensaio sobre a imaginação do movimento’ (São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 2): “O poema é essencialmente uma aspiração a imagens novas. Corresponde à necessidade essencial de novidade que caracteriza o psiquismo humano”. Ela – a literatura (e a poesia) – tem essencial função para a vida humana, pois possibilita ao homem compartilhar a subjetividade do mundo – que não é tão somente um organismo físico, concreto, mas todo um complexo de sentidos, sensações, sentimentos e emoções  do qual fazemos parte, enquanto espécie capaz de traduzir tudo o que nos rodeia (por fora e por dentro) e comover o outro por meio da palavra. Nesse aspecto, lembro do que disse o poeta alemão Rainer Maria Rilke (1875-1926): “Para escrever um único verso, é preciso ter visto muitas cidades, homens e coisas, é preciso conhecer os animais, é preciso sentir como voam os pássaros e saber que movimento fazem as florzinhas quando se abrem de manhã”.

 

“Não espere nenhuma certeza íntima para o porte de poesia. A poesia gosta mesmo é se adormecer envolta na dúvida ingrata do inesperado ato da ausência, quando sai do mundo por instantes únicos a consciência concreta da existência.”


 

Sobre a ‘serventia’ ou utilidade da poesia, trago uma crônica que escrevi em 2019, e que estará em meu próximo livro, já no prelo:

 

(A)PORTE DE POESIA

Sou a favor do porte de poesia. Carregá-la desde a semente, até que a palavra infle, insufle, percorra o caminho do ventre, saia do ninho, alce voo em direção ao céu do meu/teu/nosso coração. Ali aportada a poesia, que ela absorva a empatia, a boemia, a leveza ou a entropia, a expressão, a expansão, a exuberância da própria vida. E, quando pronta a atingir o alvo, aponte a poesia na direção da alma! 

Não espere nenhuma certeza íntima para o porte de poesia. A poesia gosta mesmo é se adormecer envolta na dúvida ingrata do inesperado ato da ausência, quando sai do mundo por instantes únicos a consciência concreta da existência.

Sou a favor do porte de palavras gastas. Apenas palavras rotas dizem do inesperado rasgo na alma cansada. É nesse rasgo que adormece, aflita, a sensação dolorosa dos abismos que precisam ser ditos, quando transmutados em superfícies 'andáveis' – sobreviventes heroicos na planura visível dos horizontes. Pois, de que será feita a poesia, senão da veia aorta que nos conduz ao peito – do lado esquerdo de dentro – na emoção da palavra gasta, apontada sobre o alvo a flecha? Depois do alvo, da flecha, por certo que estarão felizes os operadores de sonhos a recortar palavras – exaustas – em algodão: poesia, que ainda flutua, aportada ao cais da alma...

Finalmente então, depois desse tempo cinza, haverá um lugar no refazer do amor. N'alguma estrada aberta, onde plantações extensas de esperanças, por ordem dos poetas (esses operadores de sonhos a portar palavras!), serão colhidas aos montes em novas eras. Guardaremos nossas esperanças em confortáveis celeiros de estocar palavras - poesia que ainda flutua – por entre o alvo e a flecha. Tudo será refeito. Porque o porte de poesia é do meu/teu/nosso direito - do lado esquerdo do peito.


(Nic Cardeal, crônica integrante do novo livro, no prelo)




 “Todo escritor sempre coloca um pouco de si, ou quase tudo de si, em seus textos – e acho que está aí a sua ‘voz literária’, a sua ‘voz poética’ – sempre única.”

 

 

8)    Você acha que o título do poema é importante ou é supérfluo?

Como não tenho formação em Literatura, não sei dizer se há, de fato, alguma regra que imponha a existência de título em um poema, ou se isso é de escolha de cada autor. Eu prefiro intitular meus textos – poemas, contos ou crônicas. Na verdade, não sei escrever sem nominar meus textos, talvez por um sentimento muito próprio – penso que um texto sem título parece órfão de identidade, sujeito sem nome, entende? – por isso prefiro sempre colocar títulos. E geralmente faço isso ao final, quando o texto já está pronto, como se fosse um filho recém-nascido.

Enfim, importante ou supérfluo, penso que vai do gosto, do desejo de cada escritor, quando está escrevendo.

 

9)    Se você fosse obrigada a escolher um poema de sua autoria que represente o seu estilo, a sua voz poética, qual escolheria?

Bem, acho que todo escritor sempre coloca um pouco de si, ou quase tudo de si, em seus textos – e acho que está aí a sua ‘voz literária’, a sua ‘voz poética’ – sempre única. Não vejo como isso possa ser diferente, uma vez que o que se vê da realidade sempre depende do olhar do observador – e não falo aqui apenas da realidade externa, concreta, ao alcance dos olhos do corpo, mas da realidade como um todo [realidade material, emocional, sentimental, espiritual de cada indivíduo no mundo]. Pelo menos comigo funciona dessa maneira e, na verdade, não sei se, de fato, eu poderia estar equivocada nessa percepção, pois se não for assim que se deve escrever um poema, deveria eu desistir da poesia [ou ela de mim]? Enfim, pesquisando meus poemas, encontrei três deles onde me senti mais intensamente representada, em todos os meus níveis de realidade. Como dois deles são curtinhos, resolvi transcrevê-los todos:


O GRITO

 

Tenho silêncios

incrustados na garganta:

eu grito

por escrito.

 

(Nic Cardeal, poema integrante do livro ‘Sede de céu’, SP: Penalux, 2019, p. 118)

 

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NA GARGANTA

 

Se me perguntares outra vez por que escrevo

gritarei contigo todo o meu poema reduzido:

Escrevo porque preciso

– tenho a alma entalada na garganta

e um coração refém dos meus ouvidos –

isso é tudo.

 

(Nic Cardeal, poema integrante do livro ‘Sede de céu’, SP: Penalux, 2019, p. 111)

 

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DO FIO À FONTE

 

Ando inundada de águas,

 

dessas que escorrem pelos dedos e a gente nunca consegue segurar por inteiro,

 

daquelas que caem dos olhos, ou se guardam por lá inquietas, aguardando tempestades maiores para o súbito pranto,

 

das que nos guardaram a todos, um a um, no ventre do outro mundo, salvando-nos de apuros, apertos, receios, abortos, tentativas vãs de subornos súbitos de escapar deste mundo,

 

das outras, as que descem nervosas, carregando todo o estranhamento do céu paralisado no desejo de chão,

 

das águas recém-nascidas da correnteza, no grande espanto da vida a espiar o riacho que persegue o rio em cada inundação,

 

daquelas águas que já foram um fio e hoje se enrolam em novelos a caminho do mar,

 

das que mal se movem, em profundos azuis, guardando secretos vestígios de um tempo cansado de nãos,

 

das revoltas, alvoroçadas, estranguladas na solidão imensa da garganta estreita que sufocou um grito tão tardio,

 

dessas águas feitas de prantos, de medos guardados em cantos escuros, de pânicos esgarçados em delírios urgentes,

 

daquela que me aguarda, serena, suportando o peso do barco na planura quieta do horizonte, até o dia do meu desaguar da vida em outra Fonte.

 

(porque nós todos somos um fio da Fonte!)

 

(Nic Cardeal, poema de 07.07.2020, ainda inédito)

 

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10) Em 2021 continua o problema da pandemia. Quais são os projetos para este semestre?

Um dos projetos, quase concretizado, será a publicação de meu novo livro, desta vez de contos e crônicas, que já estava praticamente pronto, e iria ser publicado no mesmo ano do meu primeiro livro, ‘Sede de céu’ (2019), pela mesma editora. No entanto, devido a questões de resolução da arte da capa, acabei optando por colocá-lo em ‘estado de coma induzido ou de hibernação’, como costumo dizer, e ele demorou a retornar à ‘vida’! Agora, depois de finalmente solucionada a capa, de novos contatos com a editora, de alterado o título e incluídos e/ou substituídos alguns textos, ele deverá ressurgir das cinzas – feito fênix – muito provavelmente ainda neste mês de setembro ou, no mais tardar, em outubro.

Além desse, tenho praticamente dois novos livros de poesia já prontos, e duas histórias infantis finalizadas, que estão em fase de elaboração das ilustrações, além de algumas outras sendo escritas.


 

 

 

 

 


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