Foto: arquivo pessoal da entrevistada
Nossa
entrevistada é a poeta e romancista Barbara Lia.
"As Palavras sempre me seduziram, mas ser Poeta nunca foi parte dos meus sonhos, acontece que eu já era. Escrever poemas é só um dos quesitos para ser Poeta neste mundo. Ser Poeta também é perceber a musicalidade da chuva, o arrebatamento de um céu estrelado e as pequeninas coisas que iluminam o dia e até o que nos entristece."
Barbara Lia - Poeta
Bárbara
nasceu em Assai (PR).Poeta, Escritora e Professora de História. Publicou vários
livros, entre eles: O sal das rosas (Lumme/2007), A última chuva (Mulheres
Emergentes/2007), Solidão Calcinada (Imprensa Oficial - PR/2008), Forasteira
(Vidráguas/2016) e As filhas de Manuela (Triunfal/2017.). Integra várias
Antologias Nacionais e Internacionais. Destaque em Prêmios Literários, entre
eles: Helena Kolody (2006 e 2007), Prêmio SESC (2004 e 2005), Prêmio UFES
(2009) e Prémio Fund. Eça de Queiroz – Portugal (2015).
Quando iniciou o seu interesse pela Poesia?
Nasci
em uma família de poetas e leitores de Poesia. Cresci ouvindo meu pai e minha
avó paterna recitar poemas. Acontece que eles recitavam Alan Poe, Castro Alves,
Vicente de Carvalho... Cresci meio aos épicos e nunca me imaginei poeta, pois
eu não me via a escrever um épico. Aos
doze anos meu sonho era escrever romances. A Poesia era o deleite, música pela
casa, eu a encantar-me com as palavras. As Palavras sempre me seduziram, mas
ser Poeta nunca foi parte dos meus sonhos, acontece que eu já era. Escrever
poemas é só um dos quesitos para ser Poeta neste mundo. Ser Poeta também é
perceber a musicalidade da chuva, o arrebatamento de um céu estrelado e as
pequeninas coisas que iluminam o dia e até o que nos entristece. Meu interesse
pela Poesia existia na menina correndo atrás de um lençol de borboletas, ou
admirando a beleza do miolo de uma romã. Sempre existiu. Estava lá, desde que
comecei a perceber o mundo.
"Há uma dor guardada nos meus versos, mas também voos e esperança. Há, principalmente, um desejo utópico de que as coisas das alturas desçam ao chão. Isto é impossível, mas é assim que o poema se faz. E ser Poeta permite."
Barbara Lia - Poeta
Sente na sua obra a influência de algum ou alguns poetas?
A
forma como minha poesia se faz é mistério para mim. Eu não busco traços,
vestígios de DNA de outros nos meus textos. Um dia, um poeta disse que um poema
meu lembrava Manoel de Barros, e outra pessoa disse que outra poesia remetia a
Orides Fontela. Depende do poema lido. Um poema da infância pode apontar esta
similaridade terna com Manoel de Barros e meus poemas metafísicos podem evocar
Orides Fontela (que eu admiro imensamente). Na apresentação do meu livro
“Forasteira”, meu amigo poeta, escritor e tradutor Fernando Koproski disse que
sou filha de Vinícius de Moraes com Florbela Espanca. Um editor um dia “me
acusou” de - excesso de Metafísica. Sendo poeta eu vi como um elogio. As coisas
rasas não me interessam. Espanto as pessoas com este desejo de mergulhar muito
fundo. Assusto. Querer mergulhar na Existência, principalmente neste tempo de
amores líquidos e superficialidades, acaba por ser mesmo algo assustador. Sigo
neste – mergulho. Escrevo da forma como sei, busco dar voz ao meu íntimo. No
entanto, eu percebi que ler os poemas de Emily Dickinson anos a fio levou-me a
escrever palavras iniciando com letra maiúscula no meio de um verso e a usar
excessivamente o travessão. Há uma influência, sim. Mas temporária e de forma
leve. Foi enquanto escrevia que aflorou minha voz. Há uma dor guardada nos meus
versos, mas também voos e esperança. Há, principalmente, um desejo utópico de que
as coisas das alturas desçam ao chão. Isto é impossível, mas é assim que o
poema se faz. E ser Poeta permite.
Em
sua Monografia (DUAS TENDÊNCIAS DA NOVÍSSIMA POESIA CURITIBANA NO ALVORECER DO
SÉCULO XXI), o poeta Márcio Claudino inicia assim o texto que fala sobre a
minha Poesia: “A poesia de Bárbara Lia quer sempre atrair o universo do
sonhador para o real, para a rua, para a casa, para os amigos e para o que mais
lhe pertence intimamente: filhos, amigos, amores: “guardei nas dobras da alma /
os que amo e são meus””.
Então
os que me influenciaram tinham esta espécie de olhar para mais longe,
perfurando astros, mares, flores e corações. É a vida de quem sai da bolha. É o
risco. É o preço que o Poeta paga. É uma espécie de confraria atemporal, este
estar atada aos que nos encantam, como galhos de uma árvore frondosa e bonita:
a criação.
"Todo poeta é um xamã a antecipar o futuro."
Barbara Lia - Poeta
Qual é a reação dos leitores? Eles elogiam? Enviam sugestões?
Após
criar o meu blog quase na mesma época do meu primeiro livro (O sorriso de
Leonardo) eu entrei em contato com os leitores. Há quase vinte anos eu ouço e
recolho palavras de elogios, sempre com a mesma alegria. Desde a primeira vez
que mostrei meus poemas até poucos dias atrás quando alguém comentou no
Facebook: ‘gosto imensamente do que você escreve’. Procuro prestar atenção aos
elogios de estranhos e guardo isto como um Prêmio. Nunca enviei um livro de
Poesia ao Jabuti, mas me sinto premiadíssima com estas palavras, ou só de ver
brilhar um olhar... Foi em 1997 eu recebi o primeiro “elogio” de estranhos quando
fui ao Congresso de Poesia de Bento Gonçalves, as garota nada disseram, foi um
elogio/gesto. Foi a primeira vez que meus poemas entraram em um Projeto, o
“Buffet de Poesia” do poeta pernambucano Carlos Barros. No Congresso fomos a
uma escola para escrever poemas na vidraça. Vi duas garotas de uns doze anos
copiando um poema em seu caderno, quando me aproximei elas anotavam um poema
meu. Recebo aquilo como um sopro/aviso, uma espécie de certeza de que escrever
Poesia era necessário, mas também era necessário dar ao mundo os poemas.
Naquele ano eu cedi aos pedidos do meu amigo Carlos Barros que me incentivava a
– tirar os poemas da gaveta. Meu primeiro livro foi publicado apenas em 2004 e
nunca mais deixei de publicar. Criei meu blog, perdi a timidez diante das
plateias e me assumi Poeta para o mundo. Guardo com carinho cada palavra que
recebi por anos a fio.
Segundo a sua percepção esta época de pandemia mundial é boa ou é ruim para a criação literária? Você se sente mais ou menos inspirado?
Acredito
que cada pessoa recebe de uma maneira uma catástrofe deste tamanho. Eu estou
paralisada. No início eu acreditei que, na minha pequena família, o vírus
poderia atingir somente a mim. Era uma pessoa velha, com comorbidades e recebi
a notícia com receio de ficar pouco tempo ainda neste mundo. Ainda assim,
escrevi poemas, terminei um romance em 2020. A vida buscava uma normalidade,
sempre interrompida pelo medo, a agonia... Eu pensava: os governantes não fazem
nada. Nada fazem para evitar riscos de contaminação, para tornar mais fácil a
vida de todos. Na virada do ano, assim que surgiu a notícia da China, eu baixei
o mapa da pandemia do Hospital Johns Hopkins. Eu me desesperava por não fazerem
nada quanto à vinda de estrangeiros para o Brasil. Bastava uma barreira
sanitária em aeroportos para minimizar tudo, mas nada acontecia. Foi difícil
concentrar na criação enquanto começava a pior tragédia do meu país, sob a
batuta de um presidente que escolhe a morte. Ano passado eu produzi pouco, mas
o ano não passou em branco. Terminei um romance. Em fevereiro deste ano editei
um livro dos poemas escritos em 2020 (“Põe a mão em mim, viro água”). Quando
pessoas da idade dos meus filhos começaram a morrer: paralisei. Não consegui
mais me concentrar e criar, pois meu coração e meu pensamento segue o tempo
todo nesta espera, da vacina, de que nada aconteça, de que isto acabe. Mas
segue a agonia. Cada dia uma notícia. Muitos morreram, muitos foram atingidos
pelo vírus, muitos conseguiram passar incólumes.
Sei
que escritos já surgem e surgirão deste cenário. É cedo ainda para conhecer
tudo que os Artistas do Mundo deixarão como espelho desta época. No Brasil é
tão trágico e tão avassalador que admiro os que conseguem criar neste momento.
Sou mãe e avó, neste momento e sigo neste compasso de espera. Tudo indica que a
vacinação vai trazer mais tranquilidade. Quem sabe um dia o medo dilua e a vida
retome um ritmo mais suave.
Fale um pouco de seu novo romance.
Minha
vida é uma ciranda. Sempre estou a escrever um livro, com outro em algum
concurso, um livro recentemente publicado e a ideia de outro que nasce e fica
como um ruído puxando meu pensamento para esta criação, palavras, personagens,
etc.
Falar
de um livro que nasce é estranho, posso escrevê-lo em um ano, como foi com
“Solidão Calcinada”; ou demorar dez anos como aconteceu com “As filhas de
Manuela”. Recentemente tive uma ideia sobre um novo romance. Será um livro
difícil de escrever. Será um desafio. Mas eu gosto de desafios. Vou escrever um
romance sobre relacionamentos virtuais, e eu não me adapto ao mundo virtual. Um
romance moderno, afinal.
O
romance que concluí no final de 2020 está em um concurso. Melhor não falar
sobre títulos e enredos. Ele precisa permanecer inédito. Assim, la nave va...
Barbara, você gosta de interpretar poemas? Como se sente declamando?
Demorei
a me sentir confortável interpretando poemas. Devo ao projeto – Porão Loquax –
e as noites poéticas no Wonka Bar a transformação de alguém que não queria
subir ao palco para alguém que consegue ler um poema ou texto para uma plateia.
Acho difícil dizer poemas em um ambiente em que as pessoas não querem ouvir
poesia. Recitais em ambientes inapropriados. Lá naquele invólucro poético do
Wonka Bar eu consegui ir soltando a voz, até conseguir ler poemas e até gostar
de estar em um palco. A primeira vez que fui convidada para apresentar meus
poemas no Porão Loquax, a convite do poeta Mário Domingues, eu conversei com a
Melina Mulazani. Artista incrível, atriz, cantora. Ela apresentou a maioria dos
poemas naquela noite. Foi assim o início. Sempre com suporte dos poetas que são
performers. Sou aquele escritor à moda antiga, prefiro que apenas meus
textos sejam conhecidos. Não sou uma pessoa do palco, mas entrei no ritmo,
aprendi aos poucos. Percebi que o próprio poema nos leva pela mão.
Você já publicou livros de poesia. Qual é o mais elogiado?
Meus
livros de Poesia não são tão citados como alguns poemas. Pode parecer estranho,
mas percebo isto desde sempre. Os sites de Literatura, as publicações de Poesia
e meu próprio blog, foram ferramentas utilizadas para apresentar meus poemas
aos leitores. Foi o advento do blog, dos sites, foi neste momento que comecei a
mostrar meus poemas. Eles foram publicados nestes desbravadores da Internet. No
site Capitu, no site Blocos online. Depois surgiu o site Cronópios e tantos
outros. Minha Poesia pousou em muitos lugares. Meus livros, não. As edições têm
tiragem pequena. Não há livros meus de Poesia em livrarias (nem mesmo
romances). Cada livro que lanço acaba com rapidez e resta esta certeza de que
algumas pessoas possuem meus livros e algumas Bibliotecas também. Tenho dez
livros de Poesia editados. Seis romances. Cada livro meu tem um poema que
ressalta. Começa com – O sorriso de Leonardo – do livro com este título.
Profana (do livro Noir). Um tango com Deus (A última chuva), e os poemas são
mais lembrados que os títulos dos livros. Os sonetos que dialogam com
heterônimos de Fernando Pessoa estão em meu livro Respirar, mas foi uma
publicação deles no Jornal Rascunho que foi mais lida e alguns poetas disseram
que gostaram destes poemas. A sequência de poemas a Rimbaud foi a mais lida no
Site Cronópios de todas as séries de poemas que publiquei naquele site. Então é
o que as pessoas citam quando falam comigo sobre minha Poesia. Com os romances
se processa de outra forma. As pessoas precisam do livro físico. Meu primeiro
romance “Solidão Calcinada” foi um dos mais lidos, com estudos acadêmicos e eu
o considerava o romance que as pessoas gostavam mais, até editar “As filhas de
Manuela”. Eles foram os mais comentados e elogiados, entre todos os romances
que publiquei. Também tiveram tiragens maiores e distribuição maior.
Sobre os títulos dos poemas. Você considera importante os títulos? Pensa que o título é supérfluo?
Eu
já não me preocupo em colocar títulos nos poemas. Meus primeiro livros traziam
poemas com títulos. Quando editei “A flor dentro da árvore” e cada poema tinha
como título um verso de Emily Dickinson eu descobri a beleza da epígrafe na
Poesia. Depois eu repeti em uma série que – inicialmente – se chamava Musas de
Acetileno. Agora é uma prática em meus poemas/diálogos. Acho que o título pode
ser importante em alguns poemas, mas é não é algo necessário.
Se você fosse obrigada a escolher um poema de sua autoria que represente o seu estilo, a sua voz poética, qual escolheria?
Eu
diria como Mário de Andrade:
“Eu
sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta,
Mas
um dia afinal eu toparei comigo...”.
Escolher
um único poema de alguém caleidoscópio, que já viveu tantas vidas, amores,
momentos, mundos e etc... É bem complicado. É impossível escolher um único
poema. Quando meu livro “Forasteira” foi editado eu percebi que ele era
carregado de dor. Eu sempre fui triste, mas não escrevia com aquela dor
extremada. Penso que era prenúncio do que viria. Todo poeta é um xamã a
antecipar o futuro. E neste livro há um poema que retrata a – dimensão
angústia. Penso nele agora que vivemos nesta dimensão. Ele tem meu DNA poético,
visceral. Em outro momento, certamente, eu escolheria outro poema.
Dimensão Angústia
Na dimensão angústia não cabe o sabor felicidade
Dança de folhas vivas - balé de sombras na janela
Som de sinos dos ventos a invadir veias – letargia
Carpe diem Sinatra rosa quartzo chantilly no lábio
O doce macio flutuante rascante (nuvem na veia)
Na dimensão angústia olhar degela - piche fétido
Negra lágrima rasga a pele açucarada de perdas
“Perder é uma arte”, diz Bishop – poetas mentem!
Raça enganosa a esculpir torpes desvios para o fim
Diz para mim que água eles bebem? De que fonte?
Diz em que lugar penduram seus corações de feltro?
Onde os poetas leem suas doutrinas embaralhadas?
O que os leva ao rito estoico? A propalar belezas?
Na dimensão angústia nada sobrevive, e eles seguem
Pintando muros bradando versos tecendo a sangue
E o mundo vai virar escárnio e vai virar inferno...
Ainda assim eles estarão lá a bradar: em algum lugar
Em algum lugar eles viram um pássaro raro e único
Em algum lugar eles encontraram a nascente do céu
Em algum lugar um homem era feliz, além da dor -
Atrás do muro da vergonha. As formigas cantam
As borboletas governam e o poeta insiste, abissal
Reinventa Deus sem cerimônia e grita e grita e grita
Na dimensão angústia alguém corta sua garganta
No dia seguinte o pai diz à filha que é permitido
Na casa em frente o velho abandonado caminha
As paredes rugem dor milenar a gritar a morte
O velho está morto e não sabe e caminha e sorri
Na cadeira corpo morto emite gases ele não sabe
Que os mortos seguem mortos na sala vendo TV
Nada cessa na dimensão angústia, desmorona tudo
Só o poeta segue a tecer haicais e versos brancos
Milhares de pílulas de otimismo e doce paisagem
A dimensão angústia clama um verso purulento
Um verso ao menos que exale o cenário cruel
Um verso que diga que o mundo apodreceu há dias
Enquanto um poeta dizia da luz clara de Maria
Ou da onda azul que morreu aos pés da santa
Ou daquela tarde em que foi feliz em Biarritz
Alguma coisa qualquer que lembra ananás e flor
Esta epopeia insana: viver no mundo das matinês
Technicolor estupendo - sorriso de Marilyn Monroe -
Vendo um filme antigo na tela e o mundo lá fora
Dimensão angústia que – dia a dia – deteriora
Barbara Lia in “Forasteira” – Vidráguas (2016)
Quais são os projetos para o segundo semestre de 2021?
Quando
iniciou a pandemia eu senti a urgência de fazer algo que pretendo há muito:
reunir meus poemas em uma Antologia. Percebi que esta tarefa não será fácil.
Estou nadando em poemas há mais de um ano. Pensei em algo assim: setenta poemas
para editar quando eu fizer setenta anos. Até conversei com uma das filhas para
que ela atentasse para isto se a COVID me atacasse e algo acontecesse, falei do
meu desejo de editar uma Antologia. Como reunir setenta poemas entre tantos?
Devo ficar focada nisto nos próximos meses. A ideia de publicar apenas setenta
poemas já não existe, e preciso peneirar entre quase mil e quinhentos poemas os
que serão parte desta Antologia. E, dentro deste casulo apocalíptico, devo
escrever o livro que foca nas relações virtuais e seus desdobramentos. Um
romance moderno.
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